quinta-feira, maio 31, 2012

Obama Toon Factory #3

Não há pai para o cavalcanti, filho.

Estou a ler uma biografia, outra, do Fernando Pessoa. É escrita por um brasileiro, o que é pena, mas o homem até tem a decência de não ter um estilo. É uma espécie de ghost writer porque tem, ao invés, a pretensão de estar a escrever uma auto-biografia, com aspas por todo o lado. Ora se o Fernandinho não escreveu uma foi porque não quis (de certeza que não foi por preguiça). Portanto, o senhor autor brasileiro cavalcanti, que está sempre aflitinho para apequenar Portugal na sua biografia que - ele acha - podia ter sido escrita pelo biografado, devia estar quieto ou escrever a biografia de um poeta brasileiro, ou angolano, ou cabo verdiano ou madeirense ou assim. O senhor cavalcanti, filho, devia abster-se de ter pretensões, mas - apesar de tudo - sigo com a leitura para a frente. E estou a aprender algumas coisas - é verdade. Estou a aprender que o Fernandinho tinha medo de trovoadas e só vestia no melhor alfaiate do Chiado, a 200 escudos o fato. Estou a aprender que o Fernandinho fumava deveras e encenava brincadeiras, com as sobrinhas. Estou a aprender que o Fernandinho tinha para cima de 300 selos, em colecção. Estou a aprender que o Fernandinho usava lentes finas, quando a miopia exigia fundos de garrafa, porque era um vaidoso dos olhos. Estou a aprender que o Fernandinho era muitíssimo educado, um cavalheiro, até. Estou a aprender uma série exaustiva de detalhes importantes e impressionantes sobre o Fernandinho. Deve ser por causa deste rol interminável de informações luminosas e profundas sobre a vida e a essência ontológica do imortal poeta que o senhor josé carlos de vasconcelos vai ao ponto de escrever em prefácio que esta é uma obra literária (por oposição a uma lista de compras) monumental absolutamente extraordinária invulgar original consistente e apaixonada.
Agora sou eu que sei perfeitamente o que diria o Fernandinho perante a obra literária do senhor cavalcanti, filho, consultor da Unesco e do Banco Mundial, ex-ministro e reputadíssimo homem de leis no Recife: "ora bolas para a gente ter que aturar isto!"

terça-feira, maio 29, 2012

Adeus Doutor.


Esperto como o raio, por ideias e actos
És o Ulisses do corpo humano;
O campeão da verdade dos factos
No hospital catedral do engano.

És o tipo de gajo que é capaz
De contar anedotas num velório.
E enquanto desdenhas da morte voraz,
Desafias Deus no bloco operatório.

Toda a gente mente mas tu acertas, tu não recuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

És são de cabeça, não desiludes o diabo
Nem hesitas perante os dilemas da ética:
Limitas-te a escolher entre a tv por cabo
E a ressonância magnética.

Curas à distância, tratas à bengalada
E resolves a dor com drogas duras.
És o coxo mais elegante na manada
Do romance de aventuras.

Foste até de cana não por uma estadia, mas por duas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

Tens um amigo só, e é ofício de monge
Aturar o Wilson por cento e oitenta episódios.
Devo-te dizer que prefiro de longe
Às tua amizades, os teus ódios.

Gostas de putas e de rock sinfónico,
Tocas piano e falas mandarim.
És mais sofista que platónico
E encontras agora, por hora, o teu fim.

Motard do apocalipse, mestre zen de capicuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

Monster trucks, boxe e pornografia,
Um diagnóstico diferencial por semana.
E coragem para tirar uma ecografia
Às profundezas da alma humana.

Gostas de tele-novelas e de rock sinfónico,
Tocas guitarra e arranhas japonês.
A tua prática heroica é um santo tónico
que alivia as dores da estupidez.

Sê fiel a ti próprio que no Inferno há gajas nuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

Esperto como o raio, lúcido como Pilatos,
És um Hipócrates de laboratório;
O campeão da verdade dos factos
No hospital-catedral do teu consultório.

És um género de génio sem causa
uma espécie de rebelde no purgatório.
Mas enquanto Deus faz uma pausa,
salvas vidas no bloco operatório.

Toda a gente mente, mas é à verdade que nos habituas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

Foste dentro e não por uma vez, maluco, mas por duas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

Motard intoxicado pelo desenho estupefaciente das ruas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

Uma coisa é certa: no inferno há gajas nuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.
Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

Adeus Doutor, vou ter saudades tuas.

segunda-feira, maio 21, 2012

45 rotações por minuto.


Dou voltas e voltas ao sol,
já são quarenta e cinco, com esta.
Não deixo rasto nem prole,
dou voltas e voltas ao sol,
numa órbita funesta.

Giro e viro e rodo rotativo
sobre mim mesmo, em elipse.
Repito o trajecto de ser vivo,
giro e viro e rodo rotativo
até ao virar do apocalipse.

Dou voltas e voltas ao sol
já são quarenta e cinco, redondas.
Nesta espiral sem controle,
dou voltas e voltas ao sol,
e oscilo no vórtice das ondas.

Giro e viro e rodo repetitivo
mais uma vez e outra vez ainda.
Volto ao movimento cativo,
giro e viro e rodo repetitivo,
numa órbita desavinda.

Dou voltas e voltas ao sol,
já são quarenta e cinco, com esta.
Não deixo marca nem prole,
mas rodarei em volta do sol
pelo tempo que me resta.

Giro e viro e rodo rotativo
sobre o eixo da luz e do eclipse.
Repito o movimento primitivo,
giro e viro e rodo e vivo
até ao virar do apocalipse.

sexta-feira, maio 18, 2012

Obama Toon Factory #2


Para o que lhe havia de dar.



Depois de garantir que ficaria para a história do rock alternativo, como supremo trovador dos Bloc Party, Kele Okereke deve ter tido uma espécie de AVC melódico e agora faz coisas destas. Poderoso, não? Como dizem os Wombats: I never knew I was a techno fan.


quinta-feira, maio 17, 2012

Obama Toon Factory


Arquitectura Instantânea: 30 pisos em 15 dias.



Não estou geralmente do lado da indústria chinesa, mas isto aqui agrada-me deveras: com engenho, arte, módulos pré-fabricados e gente a trabalhar 24 horas por dia, a empresa chinesa Broad Group levantou um prédio de 30 pisos em duas semaninhas apenas.
O hotel, construído na província de Hunan, na China, no passado mês de Dezembro, tem 17 mil metros quadrados e, segundo a Academia Chinesa de Investigação em Edifícios, o imóvel está preparado para resistir a terramotos de magnitude 9 na escala de Richter, proeza conseguida graças à estrutura diagonal, baixo peso e construção em aço.
E é assim, como diria Kurt Vonnegut, que se percebe a vitalidade tecnológica e económica de uma nação. E é assim que o Ocidente vai perdendo a corrida das civilizações. Enquanto os gregos votam para ir à falência, os franceses fingem que têm pena dos gregos, os alemães tentam desastradamente segurar o que sobra da economia europeia, os americanos discutem o casamento dos homossexuais e os portugueses (alguns) assinam manifestos pela justiça social e pelo retorno da boa vida sem esforço, os chineses constroem arranha-céus ao minuto.
30 andares em 15 dias. E é assim.


sexta-feira, maio 04, 2012

Uma fita no labirinto.



Para que a vida de um pacato proprietário de uma loja de ferragens em Buenos Aires faça algum sentido, terá que cair uma vaca do céu, algures na China. Atrevo-me a supor que "Un Cuento Chino", de Sebastián Borensztein, é um filme de que Jorge Luis Borges gostaria bastante. Pela minha parte, posso dizer apenas que é um prodigioso bocadinho de cinema.

Todos contra todos.


"The condition of man is a condition of war of everyone against everyone."

Thomas Hobbes, Leviathan - 1651

Enquanto tentava enfiar as subtilezas da cultura helénica
Na cabeçorra de Alexandre (tarefa ingrata e esforço monumental),
Aristóteles saiu-se com esta máxima de retalho:
"O homem é um ser eminentemente social."
Eminentemente social, o caralho!

Tenho até a certeza que o velho mestre de Estagira
Não desejaria ficar preso à posteridade por uma nota de rodapé
Na folha digital de Mark Zuckerberg do século quarenta e um.
Convenhamos, os gregos não bebiam café
E na altura em que disse o que disse Aristóteles precisava dum.

Quanto ao lamechas do Rosseau, o homem só nasce bom na imaginação
Deste palerma, de resto é nado condenado ao inferno da sua intestina inquietude
E ao inverno que faz cá fora.
E se é a sociedade que corrompe no individuo a sua genética virtude,
Não me parece sã solução guilhotinar dez aristocratas por hora.

E que dizer de Voltaire, que já sabia muito bem que não vivemos
No melhor dos mundos possíveis e muito pelo contrário
(Anexo o terramoto de Lisboa e respectivas tabelas de mortandade),
E mesmo assim era um fraco, era um ordinário,
E mesmo assim era um parvo pela humanidade.

Por estas e por outras é que ficou a sociologia infectada
De filhos da puta como Marx e Proudhon,
Tão preocupados com o bem estar de operários e carpinteiros
Que se esqueceram do que o capitalismo tem de bom:
Tampões para as senhoras e mercedes para os cavalheiros.

Eu cá prefiro o pensamento do grande Thomas Hobbes,
Que postulou: o homem é o lobo do homem e este é o império do medo.
Por isso, o melhor é preparar o monarca para o conservatório
Da tirania esclarecida, porque mais tarde ou mais cedo
A revolução cairá nas mãos de um Robespierre aleatório.

Eu cá prefiro, mas de longe, a prosápia do Max Stirner,
Que mandou o socialismo para as urtigas
E que escreveu em vez disso,
Com o espírito de quem despede certezas antigas,
Que o homem tem na propriedade do eu o seu único compromisso.

E mais não digo, que tudo o que sei é produto
Da ignorância que se levanta.
Mas uma certeza tenho, ainda que na verdade não acerte:
A vida é uma guerra santa
De todos contra todos enquanto o diabo se diverte.