sábado, março 11, 2006

Um pequeno milagre.


Um dos mais intrincados problemas da astrobiologia contemporânea é este: a vida, como a conhecemos, precisa de água como um cortador de relva necessita de gasóleo. E é apenas sensato pensar que, onde há água, haverá um qualquer bichinho vivo, nem que seja a porcaria de uma bactéria. Mas, por fatalidade, a água corre apenas num infinitésimo intervalo de temperaturas: abaixo dos 0ºC transforma-se em gelo, acima dos 100ºC passa ao estado gasoso. Ora, tendo em conta as abissais amplitudes térmicas dos sistemas cósmicos, as hipóteses de dar de caras com um diabo de um planeta onde se verifique a existência de água são ainda mais improváveis do que descobrir a agulha logo à entrada do palheiro, certo? Errado. A Cassini acaba de registar a erupção daquilo que tem todas as possibilidades de ser, nada mais, nada menos, um excelente geiser no polo sul de uma geladíssima e quase irrelevante lua de Saturno. A notícia surge como uma chapadona sonora, pesadinha e certeira na cara macilenta da comunidade científica mundial. Se existe água em Enceladus, é porque, mesmo em sistemas dominados por condições ambientais extremas, são criadas condições para o evento de temperaturas amenas, do género das que conhecemos na Terra. Se existe água em Enceladus não é nada imbecil supor que, de facto, a vida orgânica manifesta-se para além do que temos por garantido no terceiro calhau a contar do sol. Se existe água em Enceladus, é justo especular sobre a existência de condições propícias à vida noutros locais do sistema solar, como por exemplo em Io, uma exótica lua de Júpiter que tem dasafiado a imaginação, até agora delirante, de um bom número de astrofísicos. Se existe água em Enceladus, podemos finalmente respirar de alívio: não somos os exclusivos detentores do impulso biológico no universo. Se existe água em Enceladus, deus esqueceu-se de nos dizer a verdade.

Mais (e melhor) informação sobre esta notícia absolutamente boa aqui.